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quinta-feira, 31 de março de 2011

Conto: Um romance de papel


Autor: Luis Gustavo Prado

Eles nunca se encontraram. Eles não se conheciam...
Viviam suas vidas, já meio desanimados. Eram duas pessoas solitárias, quietas e um tanto alheias. Continuando a jornada como quem não vê mais surpresas. De passo em passo eles dois continuavam a viver, mesmo sem a mesma esperança de outrora.
Talvez por coincidência, ou se você acredita uma brincadeira do destino, eles sempre iam à mesma livraria, e muitas vezes estiveram ao mesmo tempo na mesma loja, mas nunca se encontraram, mas um dia se encontrariam, e esse dia foi numa fria manhã de julho...
O ar matutino era espesso, sinal de noite de geada, aos dois sempre agradou o frio, então saíram cedo até a livraria, tomar um café da manhã na pequena lanchonete que funcionava lá dentro. Mas eles não poderiam de ver se havia chegado algum titulo novo. Andando pelos corredores, o jogo das estatísticas corria, e eles se encontraram. Bem, quase se trombaram, ao tentar pegar o mesmo livro.
Ele, como sempre fora muito tímido, normalmente teria pedido desculpas, mas não aquele dia. Perdido no olhar dela, ele se assustou dizendo um tímido “Oi”.
Ela também nunca fora de conversar muito, mas também disse um ligeiro “Olá”.
E ali ficaram, até que ela disse, com mais desenvoltura.
- Ah, você também gosta do ‘Pequeno Príncipe’?
- Uhum, lia muito quando era criança, mas não tenho nenhum exemplar. Que mancada minha né...
- Ah, normal – disse ela sorrindo – fica com você, tenho certeza que você vai ler muito...
- Você aceitaria um café? Eu pago...
- Adoraria...
E assim começaram a conversar de muita coisa, e como era final de semana, não tinham que se preocupar com horário. Quando saíram da livraria, já era fim de tarde...
- Foi bom conversar com você – disse ela segurando a mão dele – espero te ver de novo em breve
Num impulso ele pegou o livro do pequeno príncipe, escreveu seu telefone na primeira pagina e disse:
- Um presente pra você se lembrar de mim...
Ela o abraçou bem forte, e deu um beijo demorado no rosto dele.
- Muito obrigado... Eu te ligo...

***

Ele chegou em casa flutuando, e naquela mesma noite ela ligou. Ficaram muito tempo ao telefone numa conversa calma e tranquila, como se nada no mundo existisse além deles.
Eles combinaram de no outro dia se encontrarem na mesma livraria, para conversarem mais e para tomar mais café...
Ele chegou quase uma hora antes do combinado, com medo de perder ela. Com um livro na mesa, cada vez que ele irava uma pagina, olhava para a porta, esperando a ver chegar. Mas como as coisas acontecem sempre do jeito q não programamos, ela chegou quando ele se interessou por uma pagina. Quando ele percebeu, ela já estava sentada na mesa, olhando ele ler...
- Se eu soubesse que você ficava tão lindo lendo, num teria te interrompido...
Ele ficou vermelho de vergonha, e ela sorriu mais gentilmente ainda.
- Quer um café? Vou pegar o meu, e hoje eu pago...
Quando voltaram à mesa, ele ficou encabulado, olhando para as mãos o tempo todo, falando pouco. Ela notou e perguntou
- Você está bem? Parece preocupado...
- Estou sim, mas queria te dizer uma coisa, mas não sei como começar...
- Comece de a onde achar certo – ela sempre sorria quando ele ficava envergonhado
- Você também lê bastante né, assim como eu, então já deve imaginar que eu num sei conversar com as pessoas...
- Mas comigo você sabe conversar – e ela segurou a mão dele
- Então, com você é diferente. Eu nunca fui tão aberto assim com ninguém na minha vida. Eu sempre fui quieto, calado. E com você eu viro quase um tagarela. Se eu te fizer uma pergunta, você não se ofende?
- Claro que não...
- Você acredita nisso de ‘Amor à primeira vista’?
Ela segurou a mãe dele mais forte ainda
- Eu – ela corou um pouco – não acreditava, mas algo me fez mudar de ideia...
- E se eu perguntasse que se esse algo esta sentado na sua frente agora...
Ela não respondeu, mas sorriu e acenou um sim com a cabeça...
- E se esse algo, mesmo sabendo que você só conheceu ontem, te pedisse em namoro?
- Eu diria sim... – o sorriso dela o deixava inebriado...
- E se esse algo pedisse para andarmos no parque?
- E o que você está esperando? - ela o puxou da cadeira...

***

Eles nunca se encontraram. Eles não se conheciam...
Viviam suas vidas, já meio desanimados. Eram duas pessoas solitárias, quietas e um tanto alheias. Continuando a jornada como quem não vê mais surpresas. De passo em passo eles dois continuavam a viver, mesmo sem a mesma esperança de outrora.
Até que um livro, numa livraria pequena, no fim de uma rua, os ensinou de novo a ter esperanças.
Sempre que voltavam ao parque, sentavam na grama e ela lia um trecho de ‘O Pequeno Príncipe' para ele, e se aninhando no ombro dele, falava baixinho, só para ele ouvir:
- Você me cativou...
E nesses últimos 20 anos em que estão juntos, ele sempre fala para ela, que o amor dos dois até parecia coisa de livro...

***

Minha esposa acaba de trazer a gravura que vai estar nesse conto. E enquanto observo o seu desenho cuidadoso, ela lê o conto com entusiasmo...
Quando ela acaba de ler, me abraça bem forte e me diz:
- Seu bobo, bem que eu dizia que a gente ia virar livro...
E na estante, num lugar especial, já meio usado pelo tempo, um livro fininho, de poucas paginas, com um menino loiro na capa, comtempla em eterna calma, um casal apaixonado, que se conheceu, de repente, numa livraria...


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Eu escrevi esse conto hoje mesmo ^^

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