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sexta-feira, 1 de abril de 2011

Conto #3: Quando nevar outra vez...

Autor: Luis Gustavo Prado



Fazia alguns dias que o inverno acabou. O tempo começava a se firmar e as nuvens pesadas de neve começavam a se dissipar. Finalmente poderia sair do abrigo, que a neve já estava mais baixa.
Nivida era um planeta classe terrestre gravidade e tamanho muito parecido com nossa velha casa, apesar da neve ser meio azulada e o céu ter um tom vagamente verde, culpa do cobre disperso no ar, que estávamos removendo, pois sabíamos que ele não fazia parte importante da cadeia biológica do planeta.
A nave que me trouxe, pousara em princípios de neve, e desde então não consegui sair do abrigo. Não digo que foi ruim, tive tempo de estudar melhor a atmosfera do planeta e ver em que estagio estávamos, mas quase seis meses dentro de um cubículo com pouco mais de 40m², é um tanto estressante.
E agora podia ver o sol, amarelo como o nosso, brilhando num principio de manhã. O traje de caminhada era um pouco estranho de se usar, mas não teríamos como sair sem ele, o ar, ainda saturado de cobre, não era o melhor para nós.
Mas a mobilidade do traje era quase infinita, pois como o ar, fora o cobre saturado, era composto basicamente de oxigênio, só alguns filtros ativos e poderiamos andar o planeta quase todo. E se pudesse, eu teria feito isso àquela manhã. Mas o período de sol, de apenas 4 meses, estava começando, e havia muito que se entender e o que planejar, se o plano de colonização quisesse acabar em tempo...

***

Com os anos você se acostuma com a rotina de um planeta novo. 4 meses de sol, 6 meses de neve, dias de 39 horas, muito serviço e pouco espaço para andar. Talvez num futuro ainda distante, os humanos aqui evoluirão por um caminho diferente. Só nossos ancestrais serão parecidos...
Uma voz no intercom me tira dos devaneios.
"Estação 18-15, fala base. Problema no filtro 450096, reparo urgente, saída imediata”.
Acho q meu queixo nunca tinha caído tanto. Estávamos no meio de um inverno, que apesar de ser o mais brando que já vi, estava com algumas tempestades bem fortes.
Mas fui vestir meu traje de inverno, esse sim desconfortável e desajeitado, e sai pelo escape de neve.
O filtro era bem perto, menos de 100 metros de caminhada, mas estranho, aqueles filtros de cobre eram projetados para suportar ventos até 10 vezes mais fortes que os do planeta, ele não poderia ter caído, e as cargas deles eram para durarem pelo menos mais uns 5 anos.
Pé ante pé fui chegando perto do filtro e para a minha surpresa ele fora arrancado a golpes. Mais estranho ainda foi descobrir ali, caído ao chão, uma criatura ofegando. Não era possível, muitas varreduras não acusaram nada de vida fora dos meses de calor, e mesmo nos meses de calor, só algumas plantas existiam...
Mas me lembrei de que poucos dias antes tinha recebido no informativo cientifico da expedição, um artigo longo de alguns bioplanetologos, que era teoricamente possível uma forma de vida em que o ferro no sangue poderia ser substituída por outro material, embora ainda não tivesse sido provado nada demais.
E na estação havia uma "câmara saturada", aonde saturávamos o ar com cobre para testarmos a sobrevivência de espécimes vegetais em concentrações diferentes desse elemento.
Sem hesitar, arrastei a pequena criatura que parecia ter uma inteligência rudimentar, até a estação, e a coloquei na câmara saturada, ligando os saturadores no nível que encontramos ao chegar aqui.
Em poucos minutos, o pequeno ser dava mostras de estar respirando melhor e fazendo menos força. Estavam dentro do saturador, algumas espécimes vegetais, que ficaram guardadas do ultimo período quente. Não me surpreendi quando a pequena criatura, sem nem se assustar nem nada, começou a comer vagarosamente, enquanto me olhava pela parede de pixeglas. Foi então que comecei a prestar atenção nela. Não deixavam de existir certos traços "humanoides" nele, como a proporção do corpo e o olhos, mas suas mãos com três dedos e a sua pele verde, possivelmente por causa do oxido de cobre, faziam dele um espécime alienígena.
Ele parecia querer se comunicar comigo, pois fez um gesto, como se me chamasse para mais perto, sentei no chão ao lado da parede transparente e ele fez o mesmo. Então apontou para si e depois para a câmara, querendo saber onde estava. Não soube o que dizer, mas fechei a mão levei ao peito, como que dizer que ele estava em segurança. Ele sorriu e parece entender, e dai apontou para mim, querendo saber quem eu era. Apontei para cima "sou das estrelas". Ele novamente entendeu e colocou a mão sobre o pixeglass e eu fiz o mesmo, então ele saiu e voltou a comer calmamente, olhando para algo no infinito da mente dele...

***

O Período de inverno estava acabando, e o pequeno ser, agora meu colega de base, estava se sentindo muito bem, e às vezes ficava comigo curtos períodos e até aprendeu poucos rudimentos de linguagem.
Um dia com olhar serio ele me disse, com sua voz que era um pouco engraçada.
- Amigo, ar mudar?
Senti um aperto no peito, "sim, ar mudar, culpa nossa"
- Sim
- Culpar quem?
- Ninguém, ar voltar...
- Amigo ir embora?
Para mim ele era apenas uma criança, aprendendo sobre mim e eu sobre ele...
- Amigo não saber...
- Amigo sempre amigo?
- Sim, amigo sempre amigo - e segurei sua mão

***

Todo o equipamento de filtragem fora retirado, e alguns poucos saturadores foram deixados, para compensar nossa falha.
No segundo mês de calor, as naves chegaram e eu estava me preparando para ir
Olhei meu pequeno amigo e disse
- Amigo ter que ir...
- Eu entender - ele disse sorrindo - eu ficar aqui, amigo das estrelas voltar pras estrelas...
E num gesto que nem eu sabia q ele conhecia, me abraçou, e meio querendo segurar o choro disse:
- Estrelas sempre lembrar amigo, noite ser lar do amigo...

***

A Viagem de volta a Terra seria um pouco longa, alguns meses, mas já na nave tinha convites sobre prêmios da Sociedade de Bioplanetologia e da própria Frota de Exploração. Seriam prêmios que dedicarei ao meu pequeno amigo que agora se lembra de mim quando olha o céu. Talvez eu nunca mais o veja, mas quando nevar outra vez, na Terra ou em qualquer planeta, vou sempre me lembrar do meu amigo...

Um comentário:

  1. Muito show o conto!!! Vale uma (de várias) dicas? "incomum", e não "incomun"... [;)] Álvaro.

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